Verdade seja dita, não sou um blogueiro dos bons e andei perdido uns meses aqui na minha rotina do dia a dia.Mas, atendendo ao pedido do meu primo Fábio (42 à frente) vou concluir o relato do desafio Praias e trilhas. O fato é que dessa vez devido ao preparo insuficiente para a prova eu terminei o primeiro dia com 5kg a menos e totalmente esgotado física e emocionalmente. Pensava comigo mesmo : não vou correr amanhã. Já concluí essa prova ano passado e não preciso provar nada para mim e para ninguém. Fui para o quarto e apaguei na cama com esse pensamento. Por volta das 4 horas da madrugada eu acordei com um pensamento diferente...Vou tentar. Dormi mais uma vez. Lá pelas 6 horas já no lado de fora do hotel e vendo todo que quase todo mundo tava com dificuldades decidi correr.
As 7 horas já estava alinhado ao lado dos outros na praia da Joaquina. A largada é na praia e já nos primeiros metros de areia pegamos à direita em direção ás dunas. O interessante das dunas é que todo ano os morros modificam um pouco de posição. Ao invés de seguir a maioria pelo meio da areia fofa eu segui pela lateral da trilha onde havia vegetação e o solo era mais firme. Desta forma consegui um bom ritmo para vencer as dunas. Saindo da trilha de areia pegamos um trecho curto de área urbana onde o pessoal da organização e alguns acompanhantes esperam para dar um último tchauzinho. Em seguida uma subida íngrime e uma trilha úmida levam direto para o topo da primeira “montanha” do dia.Chegando lá no alto já se consegue avistar a praia mole.A descida,porém é bem acidentada e novamente nós temos que encarar o charco.Não tem escapatória ,ou vc atravessa pelo atoleiro do charco ou despenca morro abaixo... Já na parte baixa do morro vem o trecho mais técnico e perigoso de costão. São uns 300 metros de rochas na encosta do mar agitado.Nessa parte eu aproveitei os “anos de praia” em que eu passei subindo e descendo essas pedras para ultrapassar aqueles que estavam tendo dificuldades.
Em seguida veio a praia mole ,onde eu aproveitei para tomar o Gatorade que trazia comigo. A essa altura eu já percebia que o meu ritmo era mais lento que no ano passado.Da Mole a corrida segue para a praia da Galheta. No meio da praia da Galheta vem um desvio que leva para uma trilha que vai zigue-zagueando até o alto do morro. Nesta parte eu já caminho alguns trechos sentindo a exaustão das pernas. Mesmo assim, ao lado de um atleta curitibano e um senhor Inglês numa conversa animada chegamos rápido ao topo. Lá de cima somos compensados com o visual .Dá para ver a Joaquina, a Mole ,a Galheta, a Lagoa e o Moçambique numa visão de 360° belíssima. Depois de uma breve parada para fotos eu sigo morro abaixo junto com os outros dois corredores. Chegando na base da trilha passamos por trás de umas casas e a trilha acaba em uma ponte pencil que sobrepõe o rio e leva a uma rua da Barra da Lagoa.Mais um kilometro e eu chego no posto de abastecimento.Perto de umas 9 horas da manhã.Depois de um pit stop no banheiro, alguns copos de coca-cola, pão bisnaguinha ,bananas ,bata-frita e água , eu sigo pela areia da praia passando pelos banhistas que olham curiosos para os “loucos”.Deste ponto até o fim do Moçambique eu calculava uns 14 kilômetros de areia (dura no começo e fofa da metade para frente). O sol já dava amostras do que seria esse trecho, sem nenhum ponto com sombra,sem subidas ou descidas, só uma praia sem fim...A medida que os quilômetros vão passando preguiçosamente , a quantidade de pessoas na praia vai diminuindo até chegar num ponto onde não se vê mais nenhum turista ou habitante sequer.Mais ou menos na metade do Moçambique eu me juntei ao veterano professor e ultramaratonista carioca Paulo Sobrinho ,sempre cheio de histórias pra contar ,o que ajuda muito num trecho como esse. Mais adiante encontrei o triatleta de floripa ,Escobar que me ofereceu uma batatinha cozida com sal. Já estávamos por volta das 11 horas ,com um sol fortíssimo e aquela batata foi o primeiro alimento decente que eu consumia desde o café da manhã ás 6 horas. A essas alturas a maré cheia empurrava a gente sempre de encontro com a areia fofa e pesada.Aquilo ia minando lentamente a minha resistência e tornando a minha velocidade cada vez mais lenta. Eu já tinha “aberto” do Sobrinho ,mas o Escobar já seguia o seu caminho alguns metros adiante. Faltavam ainda uns 3km antes de terminar a praia e chegar um pavoroso trecho montanhoso.Nesse ponto comecei a sentir que alguma coisa não estava bem comigo. Estava tonto , enauseado e literalmente me arrastando.
Quando cheguei no costão já passava do meio dia.Não havia nenhum tipo de apoio por lá, a não ser um rapaz do staff torrando embaixo de um garda-sol velho. Nem água o coitado tinha. E a minha ,da camelback já tinha virado um “chá”( era só colocar o saquinho dentro, ou então a erva-mate ,no caso dos gaúchos). Assim como os outros, que estavam no mesmo “barco”, eu sentei numa pedra grande ,tirei os tênis e as meias que estavam cheios daquela areia grossa do Moçambique. O gurizão do staff disse que nós teríamos até as 14 horas para chegar no posto do Costão do Santinho. Levando-se em consideração que eram 12h e 20 min ,seria tempo suficiente para cruzar a montanha. Só que ele estava enganado quanto ao horário de corte. Quando o ultramaratonista Paulo Motta que geralmente fecha a prova passou apressado por nós em direção ao morro eu percebi que alguma coisa tava errada. Ou ele tava muito adiantado...Mas o meu estado físico me dizia o contrário.Eu olhava para a montanha e já me imaginava desmaiando em algum lugar ali para cima.Não tinha o que fazer naquele ponto :ou seguia adiante, ou ficava ali torrando junto com o staff até vir alguém para recolher.E isso eu sabia que iria demorar muito.
Sendo assim eu saí na frente dos outros que estavam ali sentados na pedra e fui subindo pela trilha íngreme e acidentada. Um pé depois do outro ,passinhos de bebê...Nesse momento parecia que somente as pernas ainda funcionavam, o resto já tinha ido pro espaço. Não conseguia pensar em nada direito. Foi então que, ainda do lado do Moçambique ,mas já no alto do costão eu me deparei com um tipo de uma guarita de madeira improvisada virada bem para o lado de onde se vê a rapaziada surfando. Dentro dessa guarita, uma bancada com duas garrafas pet de 2l ,com o que parecia ser suco de laranja e atrás delas dois rapazes sentados apreciando o visual...Parei na frente deles com os olhos brilhando e boca seca.Um deles me ofereceu água( já era um começo).Aceitei .Mal pude acreditar quando vi as pedras de gelo caindo no meu copo.Aquilo era a visão do paraíso. Mais adiante achei um lugar com sombra,sentei numa pedra , tomei a água e chupei todo o gelo como se fosse a melhor coisa do mundo.Depois disso eu dei uma acelerada e sempre olhado para trás eu ficava controlando a aproximação do pessoal que vinha mais no início. O mais chato numa trilha de montanha é ficar correndo com alguém fungando no cangote querendo te ultrapassar onde não há ponto de ultrapassagem.Por isso eu mantive a frente.
Algum tempo depois já comei a descer. Eu vinha olhando para baixo , com medo de tropeçar naquela altura do campeonato. Quando percebi que alguém se aproximava vindo na direção contrária levantei a cabeça e para minha surpresa era uma senhora idosa caminhando devagar.Então eu pensei , se ela chegou até aqui eu tenho que conseguir chegar até a praia... E assim foi. Depois que a gente pega a trilha do costão do Santinho feita para os turistas menos aventureiros ,onde tem até corrimão ,tudo fica mais fácil.
Mais uma vez eu cheguei na praia.Agora era o Santinho , e eu já podia ver o posto de apoio no meio da praia.Quando me aproximei do posto , vi que a coordenadora vinha na minha direção com a prancheta na mão. Estranho...
Infelizmente o staff do Moçambique estava errado , o ponto de corte era às 13 horas e não às 14 como ele havia dito.Já eram 13 e 10 e ,portando , a corrida acabava para mim no km 67...Pela primeira vez, desde que comecei a correr em 2005, eu não conseguia completar uma prova. Uma sensação de frustração e tristeza invadiu a minha mente.
Enquanto eu tomava uma sopa de legumes sentado , o resto do pessoal chegava e já ia se formando uma pequena confusão por conta da informação errada no posto anterior. Certo mesmo estava o experiente Paulo Motta que correu todas as edições anteriores e passou desesperado por nós ainda lá no Moçambique. Ele conseguiu passar em cima do laço pelo ponto de corte e mais um ano iria fechar essa prova inesquecível. Quanto a mim ,é possível que se continuasse a prova, tivesse desmaiado e caído em algum ponto adiante.Não dá para saber.Desde os tempos do Muai Thay apredi que a dor é um sinal de vida e quando tudo fica quieto e a dor desaparece é que eu devo me preocupar. Provavelmente estou inconciente. Fui me consolando dentro do carro de apoio que me levou até a chegada no hotel em Ponta das Canas.Alguns teimosos que vieram depois de mim continuaram a correr mesmo cortados ,só que , já na trilha dos ingleses, as marcações haviam sido recolhidas tornando as trilhas um labirinto sem saída para os “haoles”.E lá foi o apoio resgatar os teimosos perdidos...
Já o hotel , parecia um misto de festa de empresa no final do ano com um hospital de campanha.Difícil de imaginar? Musica alta ,meninas do staff dançando , pessoas atiradas nas macas recebendo massagem , mesas cheias com conversas animadas,pessoas mancando ,sentadas no chão... A todo instante mais um guerreiro chegando com lágrimas nos olhos e o corpo surrado.O lob do hotel lotado de corredores já de banho tomado e malas prontas esparramados nos sofás ,muitos deles dormindo na frente da TV.No primeiro andar eu me encontrava sentado no chão com outros cinco corredores,um deles com uma bolsa de gelo no tornozelo inchado ,esperando uma vaga no quarto disponibilizado para o banho. Mesmo tendo sido cortado no km 25 eu perdi 2,5kg nesse segudo dia ,totalizando 7,5kg perdidos por 2kg recuperados,ufa! Apesar do corte nesse segundo dia e de ter de voltar para casa apenas com “meia” medalha,valeu apena não ter desistido sem tentar...Se tudo der certo em 2013 estou de volta para mais um desafio!